terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Fast love

O que você achou que fosse acontecer com o amor em tempos de fast food, fast fashion, fast shop, time is money, estude enquanto eles dormem, A modernidade líquida, obsolescência programada, "pense, fale, compre, beba, leia, vote, não se esqueça, use, seja, ouça, diga, tenha more, gaste, viva"?

O que você achou... que fosse acontecer com o amor? 

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A era da impermanência

Como criar raízes em terras griladas?

numa verdade enlameada?

na palavra que não habita a memória?


Como baixar as âncoras 

num lago raso de oásis?

em ilhas privativas de um particular que nunca vi? 

Num mar que não tem cabelo?


Como sentir nesse mundo sem sentido?

nesse planeta temporário

nesse solo escravizado

nesse não-lugar que renasce a cada dia


E o amor

Ah, o amor é só uma ideia... 

A incompatibilidade com esse mundo vai me deixar doente. 

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Ressaca de "O problema dos 3 corpos"

A disputa é a única coisa que se mantém constante, em todos os lugares. Em todas as dimensões do trabalho, do estudo, da família. Há egos feridos na academia, há egos sensíveis na equipe de trabalho, há egos que precisam ser inchados diariamente, alimentados com elogios purgantes de amigos entre aspas. O neto mais querido, o filho mais amado, o primo mais bem sucedido.

Dá pra ver a fragilidade das relações, as mesmas palavras de sempre batendo ponto, sobre ponto, sobre ponto, amontoadas sobre si mesmas, sustentadas em nada. Flutuam no espaço vazio, frio, oco, de 08h às 18h, nos feriados e festinhas de aniversário.

As pessoas não merecem esse mundo nem todas as belezas verdadeiras que há nele. Por que alimentar um ser tão mesquinho, permanentemente cego pelos espelhos da própria vida e das próprias crenças? 

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Xingamento - Gregório Duvivier

 Puta, piranha, vadia, vagabunda, quenga, rameira, devassa, rapariga, biscate, piriguete. Quando um homem odeia uma mulher — e quando uma mulher odeia uma mulher também— a culpa é sempre da devassidão sexual. Outro dia um amigo, revoltado com o aumento do IOF, proferiu: "Brother, essa Dilma é uma piranha". Não sou fã da Dilma. Mas fiquei mal. Brother: a Dilma não é uma piranha. A Dilma tem muitos defeitos. Mas certamente nenhum deles diz respeito à sua intensa vida sexual. Não que eu saiba. E mesmo que ela fosse uma piranha. Isso é defeito? O fato dela ter dado pra meio Planalto faria dela uma pessoa pior?

Recentemente anunciaram que uma mulher seria presidenta de uma estatal. Todos os comentários da notícia versavam sobre sua aparência: "Essa eu comeria fácil" ou "Até que não é tão baranga assim". O primeiro comentário sobre uma mulher é sempre esse: feia. Bonita. Gorda. Gostosa. Comeria. Não comeria. Só que ela não perguntou, em momento nenhum, se alguém queria comê-la. Não era isso que estava em julgamento (ou melhor: não deveria ser). Tinham que ensinar na escola: 1. Nem toda mulher está oferecendo o corpo. 2. As que estão não são pessoas piores.

Baranga, tilanga, canhão, dragão, tribufu, jaburu, mocreia. Nenhum dos xingamentos estéticos tem equivalente masculino. Nunca vi ninguém dizendo que o Lula é feio: "O Lula foi um bom presidente, mas no segundo mandato embarangou." Percebam que ele é gordinho, tem nariz adunco e orelhas de abano. Se fosse mulher, tava frito. Mas é homem. Não nasceu pra ser atraente. Nasceu pra mandar. Ele é xingado. Mas de outras coisas.

Filho da puta, filho de rapariga, corno, chifrudo. Até quando a gente quer bater no homem, é na mulher que a gente bate. A maior ofensa que se pode fazer a um homem não é um ataque a ele, mas à mãe — filho da puta- ou à esposa — corno. Nos dois casos, ele sai ileso: calhou de ser filho ou de casar com uma mulher da vida. Hijo de puta, son of a bitch, fils de pute, hurensohn. O xingamento mais universal do mundo é o que diz: sua mãe vende o corpo. 1. Não vende. 2. E se vendesse? E a sua, que vende esquemas de pirâmide? Isso não é pior?

Pobres putas. Pobres filhos da puta. Eles não têm nada a ver com isso. Deixem as putas e suas famílias em paz. Deixem as barangas e os viados em paz. Vamos lembrar (ou pelo menos tentar lembrar) de bater na pessoa em questão: crápula, escroto, mau-caráter, babaca, ladrão, pilantra, machista, corrupto, fascista. A mulher nem sempre tem culpa.

https://m.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2014/01/1393513-xingamento.shtml 

O que é uma puta?

Algumas definições pra essa palavra guardam um significado econômico. Diz-se de "puta" aquela que tem relações sexuais em troca de dinheiro, sinônimo de prostituta. Outras definições perpassam ideologias sociais em que para adquirir o adjetivo, basta ter relações sexuais com muitos homens. 

Há também dicionários que associam a puta à libertinagem, que é o mau uso da liberdade de um indivíduo, a extrapolação da liberdade. Abre aspas, "licenciosidade de costume, conduta de pessoa que se entrega imoderadamente a prazeres sexuais, a prática do libertino". Até aí, não vi nenhuma ofensa, só o bom e velho controle social dos corpos e desejos femininos. Cabe insultar alguém por praticar o ato sexual de forma profissional e remunerada? Cabe insultar alguém por ter tido muitos parceiros sexuais? Cabe insultar alguém por sentir prazer sexual e querer praticar o máximo que der?

O significado de uma palavra não é apenas o que está posto numa definição dicionária. Ele perpassa a experiência coletiva, unificando pequenas subjetividades, num vocábulo amplo, aberto a interpretações. Não satisfeita com os significados de puta que encontrei, continuei procurando o motivo pelo qual faz com que eu me sinta profundamente ofendida quando me chamam por esse nome. Mas não é por nenhum dos motivos anteriores, é algo que me fere particularmente (aqui entra o nível da subjetividade imposta no significado da palavra).

Então encontrei o seguinte texto sobre libertinagem que também está vinculado ao adjetivo, "quando isso acontece [a libertinagem], os limites são ultrapassados e a integridade física, emocional ou psicológica de outra pessoa é posta em causa. A libertinagem leva a um desrespeito pelo próximo, e indica falta de dignidade e bom caráter".

Achei neste último conceito meu entendimento para puta(o) e finalmente aquilo que me toca, que me ofende. Me xingar de puta não vai fazer com que eu tenha outra visão sobre a liberdade sexual das mulheres, vai me deixar profundamente triste em pensar que estou sendo acusada de ferir alguém, física, emocional ou psicologicamente. Isso sim é um xingamento. Problema é que quando alguém quer te ofender, essa pessoa pode te chamar de qualquer coisa, inclusive se alguém virar pra você e disser "você é uma pedra" com a intenção de magoar, não importa o que realmente significa "pedra", a pessoa quis muito te machucar e isso basta. 

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

A prova da UERJ

Em 2012 fiz minhas primeiras provas de vestibular, oficialmente falando. Alguns colegas de sala começaram a experiência de concursos no ano anterior, só para testar, só para sentir. Eu não, fui fazer quando estava valendo. 

Em junho de 2012 acontecia a primeira fase da UERJ, universidade imponente, imensa em prestígio, organismo vivo e respirante. Pois caí num prédio que não era o principal, das rampas, que nunca tinha visto na vida. Cheguei no local com uma hora de antecedência e a primeira coisa que fiz foi derrubar água no meu único, intransferível, inimprimível, cartão resposta. 

Agi com a naturalidade de quem não sabe o real valor daquele papel, pedi pra ficar na frente do ar condicionado apontando a parte molhada pra ver se secava até a hora da prova. Pra muita gente, minha primeira tentativa tinha acabado ali. Imagina, perder um ano de vida, estudando tudo de novo, por 40ml de água no lugar errado. 

Meu cartão ficou sanfonado, mas seco, a fiscal avisou que ele poderia não conseguir ser lido. Tudo bem, mas ele foi lido. Quer dizer, tudo bem nada, tirei C naquela prova e C é uma nota horrível. 

Em setembro daquele mesmo ano, voltei eu pra UERJ, prometendo que não derrubaria água no cartão, vestindo a calcinha, a calça jeans, a blusa de anime e os brincos da sorte. Pra melhorar, estava com princípio de dor de garganta. Saí da prova e fui para o ponto de encontro que tinha marcado com o Rafa, desviei de todos os marketeiros da escola concorrente e lá estavam meu melhor amigo e um desconhecido que se tornou conhecido, que se tornou amigo, que sacudiu a minha vida nos oito anos que se seguiram. 

Não fui aprovada naquele ano e não vou dizer "não alcancei a nota", porque certamente há imaturidade, ansiedade, cansaço, dramas adolescentes, o último ano letivo escolar pra vencer e um caminhão de outros fatores que interferem, mas ninguém se lembra.

Em 2013 eu estava de volta. Subi as rampas, li a prova com calma. Havia um texto muito bom sobre os críticos literários. Havia questionamentos muito interessantes na prova de história e geografia. Cheguei em casa com as alternativas que marquei anotadas no cartão de confirmação. Uma hora depois do encerramento da prova o gabarito era divulgado. Só a UERJ fazia isso. Sentei pra conversar com meu irmão e fiquei minutos falando sobre como a prova da UERJ era incrível, bem formulada e equilibrada.

Gabriel queria saber como eu tinha ido, não meu ponto de vista crítico sobre a avaliação. Naquele ano eu tirei A. A mesma nota que as pessoas que querem medicina precisam tirar. Naquele ano eu fui aprovada pela UERJ, mas já tinha passado no Enem e cursado um semestre na UFRJ em Tão tão distante, por isso não fui, e aí já é outra história. 

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Sobre se manter fiel a velhos costumes que não fazem mal a ninguém

Passei uma vida estudando com lápis, borracha e caderno. Entendi que a dinâmica da cópia me ajuda a organizar os pensamentos. Sei que estou estudando de verdade quando passo por esse processo, porque estou atenta, porque toma tempo pra informação se fixar na minha cabeça. Essa metodologia me faz bem, funciona. 

Se algum dia me pedissem para estudar usando métodos eletrônicos, sob a justificativa de que isso faria bem para uma pessoa que eu prezo, eu tentaria. Mas sei que cedo ou tarde o incômodo seria tão grande e quando beirasse o insuportável, eu estaria experimentando culpa e arrependimento. 

O caderno, o lápis e a borracha estão mais do que ultrapassados, mas dizem respeito apenas à forma como eu lido com meu próprio aprendizado. Espero que nunca seja necessário alguém mudar algo tão primordial, saudável e sedimentado de si mesmo, ainda que isso signifique não corresponder às expectativas ou necessidades do outro. 

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Sophia de Melo Breyner

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo.

domingo, 29 de setembro de 2024

Querida Mariana do futuro,

Nós nunca saberemos se tomamos a decisão mais acertada. Não se desespere, siga escolhendo aquilo que é correto para você, para os demais, para os animais e natureza. Seja firme nos princípios e flexível no que não pode controlar, entenda a força, o destino e abrace o que vier. Permaneça cuidadosa com os sentimentos, sem tomar para si mais do que consegue suportar. Deus sabe o quanto você quer gastar energia descansando. Deus sabe de todas as coisas, você precisa se lembrar sempre disso, ainda que sejamos pequenos e insignificantes demais, valemos um soprinho de vida. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Setembro de 2023

Quando voltei pela primeira vez de Curitiba, trouxe presentinhos de crochê para Catarina. Comprei roupas de Barbie numa feirinha muito simpática que acontece numa parte central da cidade. Tenho a sensação de que gostei mais das roupinhas do que a criança, mas confesso que me emocionou ter recebido uma foto dela vestida com uma fantasia de Barbie, segurando a minha Barbie que por sua vez trajava essa roupinha curitibana. 

Aconteceu de eu me sentar no chão da sala para fazer um pouco de crochê com a Bru enquanto a Nina brincava e soltei a seguinte frase "Quem sabe um dia Catarina não queira aprender a fazer crochê também? Aí vai poder fazer os próprios bichinhos." e ela, em toda sua sabedoria se aproximou de mim e disse: "Tia Mari, essa não é a minha vontade". 

Essa é a Catarina, no alto dos seus cinco anos.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Poema de sete faces e outro, que é apenas da minha

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Mariana! ser trouxa na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de poder.
A tarde talvez fosse azul,
houvesse mais espaço para melancolia.

O metrô passa cheio de corpos:
corpos cansados, exauridos, amassados.
Para que tanta pressa, meu Deus? pergunta meu coração.
E meus olhos, magoados,
não deixam escapar nada.

O homem atrás do bigode
é machista, inseguro, e carente.
Quase não pensa.
Tem muitos, muitos "amigos"
o homem atrás do time e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era romântica.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Natasha
seria uma diva, mas não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas essa skol beats
botam a gente comovido como o diabo.

fagocitose

Nunca tinha pensado que as minhas atividades favoritas eram todas silenciosas. Gosto de ler, crochetar, escrever cartas, contos e textos diversos. Gosto de ver filmes e fazer algumas receitas. Não produzo grandes sons externos, apenas converso comigo mesma em todas as ocasiões. Que interessante, é a união das minhas mãos com a minha cabeça.

Ideias empreendedoras não lucrativas

Nada como uma vontadezinha de 

Fazer curso de diagramação de livros e modestamente fazer edições em estilo cartonera para presentear a mim mesma e as pessoas.

Elaborar um projeto de negócio de onigiris. 

Dar aulas de crochê para iniciantes. 

Ter uma barraquinha com mil coisas fofas diferentes à venda em feiras medievais. 

Loja com produtos brasileiros em algum país estrangeiro.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Sonhos que são como filmes

É noite, há uma casa num lugar afastado, com natureza. Uma mulher descobre algo dentro da casa, minutos antes de fechá-la para ir embora. Seu marido é o culpado e ela decide matá-lo imediatamente. Toma uma arma com dois canos na mão, arma o gatilho e entra no carro. Ele está no carona, já com cara de quem não queria estar esperando e se assusta. Antes que diga qualquer coisa, a mulher atira na altura dos ombros dele, mas ele põe uma mão na frente, o tiro pega de raspão. 

Uma terrível discussão começa, eles saem do carro e continuam machucando um ao outro. A mulher corre e continua atirando, mas algo a atinge. Ambos se perdem de vista por um momento, há muita vegetação e árvores ali, à medida que se afastam das luzes da varanda da casa tudo fica escuro.

O homem aparece, a golpeia e ela devolve a dor pousando a arma na altura do estômago dele. Atira, ele cai, rolando para perto da plantação de milho. A visão da mulher vai ficando turva, ela sente que também vai morrer. Que merda, está perdendo os sentidos. Se aproxima do calçamento da nova garagem em construção e deita no chão. Então é assim que morre, mas ela nem sabe o motivo. 

Quando acorda sua mente grita, seus familiares estão ao redor, o lugar parece a casa de seus avós. Não fale nada, ninguém pode saber nada. Então percebe que usa camisolas brancas e tem uma faixa na barriga, machucados nos braços e a cabeça dói muito. Não fale nada, ninguém pode saber nada. Sua família fala sem parar. Onde está o marido? Ele também sobreviveu?

Olham com muita pena pra ela. Deve estar viúva, que bom. Ela pisca e tudo que era branco se transforma em palha. Teto de palha, chão de palha, roupas de palha. Desmaia, acorda depois de mais três dias.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Dramática como só uma segunda-feira consegue ser

Sonho

De suspirar em vão já fatigado,

Dando trégua a meus males eu dormia;

Eis que junto de mim sonhei que via

Da Morte o gesto lívido, e mirrado:

 

Curva fouce no punho descarnado

Sustentava a cruel, e me dizia:

“Eu venho terminar tua agonia;

Morre, não peneis mais, oh desgraçado!”

 

Quis ferir-me, e de Amor foi atalhada,

Que armado de cruentos passadores

Aparece, e lhe diz com voz irada:

 

“Emprega noutro objeto os teus rigores;

Que esta vida infeliz está guardada

Para vítima só de meus furores.”

 

Manuel Maria Barbosa du Bocage. Soneto e outros poemas, 1994.

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Em defesa da improdução

 A obsessão por melhorar, por superar, por produzir, já fez com que até mesmo as pessoas, nós, inventores desse sistema de merda, fôssemos substituídos por máquinas e inteligências artificiais. 

A necessidade das flores, da leitura de um bom livro, de não fazer nada, de olhar o céu, de sermos suficientes para nós mesmos, recolhidas todas as pequenas insignificâncias.  

Obrigada, Julia, como sempre.

A poeta média 6

Não sei fazer rima, não sei transcender no belo do verso, saio escrevendo a esmo aquilo que vem a cabeça, escrevo enquanto o rosto ainda está quente e os dedos se revezam entre o teclado e o backspace.

Falo de mim, falo de ti e de mim novamente. Nada disso interessa para o mundo inteiro, mas é muito pro meu pequeno universo. Qual é o valor do texto escrito por um coração ordinário? Quanto se sabe do preço de um sentimento? 

terça-feira, 23 de julho de 2024

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Batata Quente

Se eu te entregasse agora o meu amor
aceso como ele está,
como ele está, pesado,
você o trocaria rapidamente de mão,
você o guardaria um pouco na esquerda,
um pouco na direita,
por quanto tempo antes de o passar adiante?

Ana Martins Marques

Sou uma nômade do ar

Consigo identificar as tartarugas leões que passaram por mim. Sinto que em passos bem pequetiticos e lentos começo a organizar minha viagem, quero embarcar numa, sei que virão outras. 

Quero conversar com o mundo em eterno silêncio e entender cada palavra cantada pelos passarinhos. Tenho medo, curiosidade e fascínio por presenciar o surto de uma alma aprisionada. 

Até lá, vou tecendo bichos e mantas e coisinhas, como uma boa Penélope. 

O fantasma peruano

O fantasma peruano é algo que se sente. Uma lembrança espectral do que se sentiu. Uma memória vívida de um corpo ausente, que torna a forçar sua presença num espaço silencioso, porém vivo. Todas as paredes, de repente, aprontam-se, temerosas, para sua chegada. Paredes sentimentalistas que guardam a lembrança de outros fantasmas igualmente transitórios.

Paredes de uma casa vazia, veja bem. 

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Você não acha estranho a educação ter se tornado um produto?

Alunos e professores viram cliente, os responsáveis legais viram compradores/pagadores. Não é meramente uma questão de nomenclatura, é a naturalização da venda de um bem imaterial que é direito de todos. É a terceirização de um papel que é responsabilidade do Estado e da família. 

A escola deixa de ser um espaço de formação cidadã para tornar-se uma fábrica de marcadores de X. De que adianta elaborar PPP, cumprir burocracias para dar 'check' na letra da lei? Onde fica o pensamento crítico numa cultura linguística mercadológica? Não fica, né?

O interesse em domesticar o estudante; indivíduo que passa os primeiros 15 da vida no ambiente escolar, vai além da minha humilde compreensão. No entanto, me dói desconfiar de um projeto por trás da comercialização da educação. 


pequenas, apenas, ao vento

Tudo que eu fiz nessa vida foi com palavras. Eu aprendi com palavras, ensinei com palavras, conquistei com palavras, trabalhei com palavras, li e chorei por palavras. Me expressei com palavras (e como tentei fazer isso), cantei com palavras, comi palavras, às vezes apenas letras. Me aninhei em palavras, me agarrei a palavras, me encantei com palavras. 

Parte do que eu fiz nessa vida foi com imagens. Guardei lembranças em imagens, me surpreendi com imagens, provei com imagens, aprendi com imagens, me silenciei com imagens. 

Qual é a sua forma de linguagem? 

terça-feira, 16 de julho de 2024

Eu, criança

Quando eu me mudei pro Rio era só uma menina. Braba demais, doce demais, ingênua demais. Tive uma semana para ajudar com a mudança, arrumar minhas coisas e me preparar mentalmente para a nova escola. Houve uma reunião de pais, claro que a minha mãe estava trabalhando. Fui na escola por mim mesma, "Oi, eu vim pra reunião de pais. Minha mãe não pôde vir, então eu vim pra saber das coisas". 

Olharam pra baixo e me viram. Baixinha, gorduchinha, bochechuda, moreninha, cacheada e muito certa de que tava fazendo a coisa certa. Entrei na sala de aula e me sentei na primeira fileira. Uma tia veio me perguntar o que eu estava fazendo ali, expliquei de novo. "Em que ano você vai estudar?", "Sétimo", "Minha sobrinha também, você pode ser amiga dela, o nome dela é Flávia" (foi algo assim). Foi a conversa que tive com a Dinda, antes de uma coordenadora me expulsar da sala, dizendo que eu não podia assistir à reunião. 

Passei a reunião do lado de fora, sentada na escada de madeira, esperando acabar.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Vovó Bernardina

Por mais uma noite minha avô se instalava no sofá da sala pra ver novela fazendo crochê. Pedi uma roupa pra minha boneca da Sandy mais uma vez, na esperança de que ela fizesse depois de terminar sua lista infinita de encomendas. Minha avô fez chinelos decorativos, barra de pano de prato e roupas para bebês e crianças. Eu fui mimada pelos trabalhos artesanais da minha avó, não posso negar, mas o problema da criança mimada é que ela quer sempre mais. Então, não me bastava que ela bordasse paetês por cima das minhas regatinhas-de-ir-brincar-na-casa-das-meninas-da-rua, eu queria roupa de boneca também. 

Um dia ela me deu uma agulha e um rolinho de linha. Me mostrou como fazia a correntinha. Fui fazendo em disparada. A voz da minha avó ressoa ainda hoje dentro da minha cabeça "Olha, Sêli*, como que ela tem jeito". 

Não demorou para que um dia eu chegasse na casa da minha avó e a Sandy estivesse vestida com um conjuntinho azul marinho de tecido, costurado na máquina, com uma barrinha de crochê vermelho super delicado. Obrigada, vó. 

*O nome da minha tia é Sueli, mas ela às vezes falava desse jeitinho, como se o U quase não existisse. 

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Sozinha, com fome e pressa

 Um pouco de queijo tipo cottage, um pouquinho de creme de leite, uma pitada de sal. Biscoitos tipo doritos, só que gayritos. Fiquei me sentindo a tal.

Agora preciso aprender a fazer carne com molho. 

segunda-feira, 8 de julho de 2024

City and colour 2.0 revival

 


If I could gather up all the hateLight a match and burn it all awayThen with compassion in my voiceI would sing this songIn hope that we might find a better way
And bow down to loveBow down to loveBow down to love
And when I think about all the painThat the carnage of wealth always leaves in its wakeAnd how nowadays it seems that we fear ourselves the mostWell, I hope you can find some solace in this poem
And bow down to loveBow down to loveBow down to love
Let's come down easy

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Lá vem julho

Lá vem julho pra me lembrar de velhas paixões. Bolo de chocolate, inverno, dias curtos e noites longas. Lá vem julho pra me cobrar mais aventuras. Listas, filmes, livros, projetos. Lá vem julho me cumprimentar por estar nesse mundo mais um ano. Feliz mês, feliz dia, feliz julho pra mim <3

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Cardápio de gente

 Foto ilustrativa, cheia de filtros e retoques, pensada milimetricamente para aquele quadrado. Algumas informações nutricionais, para prevenir alergias graves "Não quero filhos", "Esquerda", "Não fumo". E um simples gesto, aprovação, desaprovação ou estrelinha (pra agilizar a vida, como fast food). 

Muita gente pra comer, poucas que realmente querem saborear a ainda, porém digna, comida. 

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Martha Medeiros, de novo

 Nada como ter poesia no cardápio. Só ela consegue tornar palatável a crueza das nossas dores.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Oi, junho

Seja bem-vindo, vamos tomar um café?  

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

BILAC, O. Ao coração que sofre. In: Antologia Poética. Porto Alegre: L&PM Pocket, 1997.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

2024

É quase como se eu estivesse tentando ser uma paladina, quando era pra ser só uma druida maluca vagando por aí. 



quarta-feira, 29 de maio de 2024

Tema de pesquisa em linguística

A identidade da variedade carioca: palavrões como advérbios de intensidade. 

Num estado em que a frase "porra é vírgula" já pode ser considerada canônica, uma pesquisa científica para sistematizar o uso dos palavrões "porra e caralho" na posição de advérbio de intensidade, chocaria a academia. Mas... Por que não? Consigo visualizar uma carioca apresentando o trabalho na beca, alçamento de verbo isso, fatores socio-históricos, pá, diversidade cultural aquilo, apagamento da carga semântica chula e tal, para, no final, todos poderem dizer - sem receio - que "essa pesquisa é do krl".

Imagina? Eu consigo imaginááááá.

Querido Deus,

Obrigada por agir tão rápido, mesmo eu não merecendo. Mesmo eu não compreendendo o seu tempo. Num dia eu me vejo acuada, no outro o senhor manda uma joaninha vermelha, de pintinhas pretas, linda, subir nove andares de um prédio deselegante, no meio de uma cidade horrivelmente barulhenta, só pra me ver. Há muito tempo que eu não vejo uma joaninha, tanto, que eu já tinha esquecido o significado que tem uma joaninha pousar na gente. Mas eu sabia que era coisa boa; e ela era a joaninha mais perfeita que eu já tinha visto na vida. 

É muito difícil recuperar o fôlego (aliento), mas é mais difícil deixá-lo ir completamente quando tenho motivos vívidos para acreditar que há coisas boas por vir. Obrigada novamente.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Sentido

Eu quero mais é a dor de ser gente 

e esse medo macabro de já não o ser.


Quero a angústia de quem sente,

se ressente por sentir,

mas se dói dos insensíveis.


RIBEIRO, Nara. Sentido.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Diálogos cariocas sobre o ingresso no ensino superior

 - Mãe, passei pra faculdade.
- Pra que isso, minha filha? Daqui a pouco você se casa.

- Mãe, passei pra faculdade.
- Toma aqui, meu filho, vai ser feliz. (e entrega um RioCard)

- Mãe, passei pra faculdade.
- Olha o que eu comprei pra você! (e entrega uma bolsa térmica para carregar marmitas)

- Mãe, passei pra faculdade.
- ... (e dá a chave de um carro zero) 

Primeiras impressões de apresentações em meio acadêmico resumido numa poesia (mas depois fica tudo bem)

 Nunca conheci quem tivesse levado porrada. 

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. 

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, 
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, 
Indesculpavelmente sujo, 
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, 
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, 
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das 
etiquetas, 
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, 
  

[...] 

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo 
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, 
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... 

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana 
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; 
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia! 
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam. 
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? 
Ó príncipes, meus irmãos, 

Arre, estou farto de semideuses! 
Onde é que há gente no mundo? 

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? 

[...]  

 
Eu, que venho sido vil, literalmente vil, 
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. 

 

CAMPOS, A. Poema em linha reta. Disponível em: <http://arquivopessoa.net/>. Acesso em: 16 maio 2024 

terça-feira, 21 de maio de 2024

Do fax ao Teams

Quando eu era muito pequena, fui ao trabalho com a minha mãe. Mas eu era muito pequena mesmo, era do tempo que eu corria dando pequenos pulinhos e meu cabelo crescia pra cima. Era um tempo em que as repartições dos escritórios não iam até o teto e o barulho dos fax chegando não parava. Minha mãe tinha a própria sala, com uma mesa grande, telefone, porta treco e um enormíssimo computador. Eu queria mexer em tudo, correr por todos os lados, ainda estávamos nos anos 90 e eu tinha, no máximo, 4 anos de idade. Tenho a sensação de que temos uma foto minha desse dia no trabalho da minha mãe, comigo em cima da mesa, não me lembro se fingindo que falava ao telefone, provavelmente isso mesmo. 

Essa semana me deu uma vontade incontrolável de comer uma fatia de torta, daquelas bem lindas, bem tortudas mesmo. Coloquei a minha mãe na frente do notebook do trabalho, o headset na cabeça e disse: "Não clica em nada, vai assistindo a palestra que ninguém vai saber que não sou eu. Quando eu voltar, você me conta o que o homem disse". "Mas e se alguém falar com você? O que eu faço? O que eu tenho que apertar?". "Mãe, não precisa apertar nada. E pode ignorar quem falar, porque é como se eu estivesse na reunião, entendeu?". "Ta bem, vai lá. Aproveita e traz um biscoito daqueles de amendoim também, ta?". "¬¬"

Atravessei a rua para comprar os dois pedaços de torta pra gente comer. Pelo celular, eu tenho o aplicativo do chat do trabalho e vi que tinha gente falando comigo. Comprei a torta, desisti do biscoito de amendoim e voltei correndo pra casa. Não levei 10 minutos na rua. Estava ela com uma caneta cor de rosa, anotando um monte de coisa num papel aleatório da minha mesa: "Esse homem da palestra é muito bom, até anotei umas coisas pra você aqui, oh (...)" Mesa bagunçada, quarto com bichinho de pelúcia, headset rosa de guerra e pijama. Só faltou a foto dela num "dia" no meu trabalho.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

O alimento

 A gratidão me salvou de mim mesma. 

Sentir o sabor do queijo devagarinho e o creck do pãozinho recém saído da torradeira. É um dos momentos altos do meu dia. O café com leite, morno na temperatura ideal que não me queima, é o líquido mais simples e precioso, disputando espaço no meu coração apenas com o bubble tea.

Quando você se dá conta de que come alimentos frescos, de que come aquilo que gosta, de que você pode inclusive escolher, entende o que é riqueza. Café da manhã, almoço, lanche, janta, tudo isso alimenta também a alma.

Miguel está sempre comendo pizza. E ele ama, parece um Tartaruga Ninja. Nunca vi alguém para gostar tanto de pizza na vida. 

A comida em Studio Ghibli, a comida em "O oceano no fim do caminho", a comida na minha família, na família dos meus amigos. A comida que o Rafa anseia fazer para receber os amigos na casinha que sonha ter. 


Recomendações:

Cooked

Tomando te, Chava Flores  

Chiki ori

Street food Asia/Buenos Aires

Espólios 2

 O que tem de brechó no Centro de Curitiba não é brincadeira. A proporção de brechós lá é similar a de sebos na Argentina. Sei lá porquê, a organização das ruas, os prédios baixos e sua arquitetura também me lembraram a capital bonaerense. É porque já fui um par de vezes a esses lugares? É por serem realmente parecidas? 

Estão aí dois lugares para os quais eu voltaria muitas e muitas vezes.

As tecituras

Um artigo científico da Letras é como um trabalho de crochê. Fazer as partes demanda muita paciência.

Fazer já costurando é muito mais difícil.

Espólios 1

Senti o cheiro do verão no seu cangote, o cheiro do frescor, do café com pão de que me alimentaria todos os dias com a mesma satisfação, de manhãzinha, à tarde ao por do sol e à noite, na ceia. 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Poema aos homens do nosso tempo

Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.

Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.

O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”.
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.

E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.


HILST, H. In: Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão. São Paulo: Companhia das letras, 2018.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Vovó Bernardina

Vovó Tardina dizia que não se importaria em morar num cortiço, se todos os familiares morassem ao redor dela. Era engraçado vê-la falando "curtiço", tá gravada na minha memória a voz dela falando "fi-inhu de vó" e o jeitinho que ela se emocionava toda vez que via "Dois filhos de Francisco". 

Feliz dia das mães, vó. 

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Dias perfeitos

"Aparentemente simples em sua superfície, o filme é de uma riqueza inesgotável de sentidos e sensações. Uma sinopse possível diria que o que se narra ali são alguns dias na vida de Hirayama (Koji Yakusho, prêmio de melhor ator em Cannes), um homem solitário e lacônico de meia-idade que trabalha limpando banheiros públicos em Tóquio. 

Hirayama cultiva afeições anacrônicas: faz fotos com uma câmera analógica, ouve canções internacionais dos anos 1960 e 70 em fitas cassete, colhe mudas de plantas no bosque, etc. Mas não é alguém fora de seu tempo, muito pelo contrário. “Falam tanto em décadas e esquecem o minuto e o milênio”, dizia Caetano Veloso em seu “Manifesto do Movimento Joia”. Hirayama está pousado de corpo e alma no minuto e no milênio."

Disponível em: https://ims.com.br/blog-do-cinema/dias-perfeitos-por-jose-geraldo-couto/

To morrendo de vontade de ver esse filme, morrendo de vontade de falar ainda muitas vezes sobre a rotina e o encanto. 

terça-feira, 30 de abril de 2024

Plástico, Vidro, Orgânico, Humano

O descarte das relações humanas foi normalizado. O que provocou isso? Foi o capitalismo? Estamos tão acostumados a jogar fora que...? Em que momento nós deixamos de ser relevantes para as pessoas? Não que eu seja especial em alguma coisa, eu sou até uma pessoa bem mediana. Só queria entender essa facilidade de substituir um universo inteiro. 

"As pessoas não são insubstituíveis", dizem por aí. Como se essa fosse a verdade do século, que você é obrigado a engolir, goela abaixo. 

A fragilidade da existência, a temporalidade ridícula da existência e agora a insignificância da existência. Que horrível isso.  

segunda-feira, 22 de abril de 2024

A noiva deflorada

Disseram que o branco simboliza a pureza e que a pureza é sinônimo de virgindade. Minha carne não é virgem, mas sinto que meu coração é puro. Como que é isso, então? Ninguém tem mais conhecimento do meu coração do que eu mesma e eu digo que usarei branco, com o coração em paz, florescendo cores, tingindo tudo de flores perfumadas e pérolas que só outro coração puro, o meu par, vai conseguir ver. 


Xingamentos

Eu queria entender pq ser chamado de "criança" e de "velho" é tão pejorativo. Se são as melhores fases da vida, se é nessas fases que se tem mais liberdade para ser. Eu quero saber: cadê a magia em ser adulto? 

A bruxa e o fada

 A história de amor entre uma bruxa que vivia isolada nas montanhas e um fada que não tinha medo dela.

terça-feira, 16 de abril de 2024

Cores do vento

 Texto recuperado do blog antigo, referência do texto que vem depois desse. Escrito no primeiro semestre de 2015.

Meu braço está para fora da janela com os dedos abertos sentindo o vento escorregar entre eles. A minha cabeça está encostada no apoio do banco, o corpo relaxado e os olhos perdidos nos borrões lá fora. Já não sei se estamos subindo ou descendo a serra, mas sinto as curvas. Do motorista não sei absolutamente nada, não sei quem é, nunca o vi, mas ele me leva por essa estrada há anos. Não me pergunta para onde quero ir, nem pede minha opinião sobre os caminhos, não me aconselha a colocar o cinto de segurança, não fala, apenas dirige.

Parei de perguntar para as pessoas que entravam no carro se nos encontramos porque o motorista queria, porque fez de propósito a parada onde nos encontramos ou se foi só casualidade. Não faz sentido insistir, as pessoas também não sabem a resposta. Muitas pessoas entraram no carro recentemente, mas elas sempre descem em algum lugar e prometem me encontrar em novas paradas. Não me incomodo, já viajei no bando de trás de muita gente, bem, não é assim tão confortável.

Não preciso esperar muito para que algumas pessoas voltem a pedir caronas nem adivinhar que outras nunca voltarão, mas não tem problema, estão em seus próprios carros, com seus próprios motoristas mudos. Não consigo adivinhar onde pararemos nem quando, as pessoas que me farão companhia lá do banco de trás ou se meu motorista resolverá me deixará descer por mais tempo na próxima parada.

Ainda que ele não fale nada, está me incomodando. Não quero ser levada. Quero caminhar sozinha.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

De mãos dadas com o destino

Lá vai o motorista de novo, arrancando tão rápido com esse bendito carro que as minhas lágrimas vão escorrendo, ficando pelo vento, marcando o caminho seco de corretivo e blush do meu rosto. 

Saudade da minha avó deslumbrada com a escada do shopping que tem fitas de led embutidas no corrimão. Saudade de sentir o cheiro do leite com canela fervendo da canjica em junho. Saudade do meu primo Lenan ainda criança, pintando desenhos, brincando, lendo a revista recreio, conversando sobre qual brinquedo do Mc Donalds a gente ia combinar de pegar diferente da próxima vez que fôssemos passear. Saudade do meu passado tão tranquilo, tão despreocupado. Saudade do futuro que eu sonhei pra mim e o destino se recusa a me dar. Ah, lágrimas, parem de cair. 

Saudades das flores de Holambra

Escrever cartas foi a maneira que encontrei de traduzir o que na minha cabeça é um redemoinho de ideias.

 Na minha mente há um moinho, que esmiuça sentimentos e do pó que sai dele formam-se palavras em papéis. Há uma louca que às vezes tenta batalhar contra o moinho e ela não tem um cavalo, mas um passarinho que voa, desvairado, ao seu redor, pousando quando quer em seu ombro. 




terça-feira, 9 de abril de 2024

Tempos modernos reverso

 Se o Chaplin chamou atenção para o empregado alienado, que apertava parafuso sem conhecer o produto final, hoje, quanto mais participo das reuniões de diferentes núcleos do universo que é o meu trabalho, mais sinto vontade de me esconder, fechar a porta do meu quarto e só fazer a minha parte. 

Quanto mais sei, mais tomo consciência do valor de cada um daqueles funcionários, dos pequenos, que como eu, carregam folhas diariamente para o grande monte. Se me vejo como uma formiga, faz mais sentido pra mim dar as costas para os parafusos e máquinas e voltar pra natureza que pegar o elevador e ir mais pra dentro das luzes artificiais, caminhando sozinha no chão frio. 


Eu sou essa pessoa a quem o vento chama

 Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,  

a que não se recusa a esse final convite,  

em máquinas de adeus, sem tentação de volta.  

 

Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza.  

Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:  

já de horizontes libertada, mas sozinha.  

 

Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,  

dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho?  

Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.  

 

Pelos mundos do vento, em meus cílios guardadas 

vão as medidas que separam os abraços.  

Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina: 

 

“Agora és livre, se ainda recordas”.  

 

MEIRELES, C. [Eu sou essa pessoa a quem o vento chama]. In.: Solombra. São Paulo: Global Editora, 2013