terça-feira, 26 de agosto de 2025

Baleias na cidade

Ouvi uma vez o barulho de um motor freando ao longe. Parecia vir de um meio de transporte muito grande, mas distante. O som, a física, a matemática da expansão do som fez com que esse ruído se parecesse com o de uma baleia, dessas que a gente ouve cantar no Discovery Channel. 

Uma baleia em via principal, nadando no ar, azul marinho perolada, cantando com a liberdade de quem sabe que imperiosa terá seu retorno aguardado enquanto a memória desse momento existir. 

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Quem dá mais?

Nem se eu vendesse todos os meus pertences e virasse monja no Tibet o mundo ainda seria esse inferno e a paz que falta nele continuaria faltando em mim. Eu me sinto tão cansada que dormir não é suficiente.  

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Será?

Será que o nome disso que eu escrevo é escrevivência?

Preciso ler Conceição pra ter certeza.

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Narrativas

 Microconto

Trabalhou muito e não viveu.


Nanoconto

Trabalhou muuuuuuuuuu.


Pictoconto

Emoji correndo

Emoji vaca

Dinheiro voando

Grávida não

Praia não

Avião não

Casa não

Emoji correndo


"Era uma vez uma mulher que acreditava em meritocracia." Assim começaria um conto, se ele tivesse tempo de ser escrito. Se nós ainda vivêssemos num tempo em que havia tempo para ele ser lido. 

O tempo do tempo

Deveria existir um nome, como metalinguagem, para 

Metatempo, pronto. 

Não tenho tempo, não há tempo, estou sem tempo, preciso de um dia de 50 horas, sem tempo, irmão. Nossa, nem vi o tempo passar, mas como cresce rápido, pisquei é Natal.

Meta, corre, ciclo, faça, otimize. QUE SACO, CARALHO. Em março de 2025 já é quase 2026, em julho já é quase setembro. Para. Por favor, para.

Mind the gap

 Quando eu era adolescente, das mil coisas que inventei que queria e que seriam "maneiras", uma delas era conhecer todas as estações do metrô do Rio de Janeiro. Imagina descer em cada uma das estações por precisar ir a aquele lugar? Não por ter ido de propósito, saí de casa, fui, desci, vi, voltei. Não, ir mesmo. Ir para fazer algo naquele lugar. 

Quando desci no Catete pela primeira vez achei tudo muito confuso, meio assustador até. Tinha muita gente na rua e aquela casa imensa em que o presidente se matou. Dizem que virou um museu e que quando você passa pela porta para entrar no quarto do presidente, toca uma musiquinha macabra. ui. 

A Uruguaiana era outra que eu gostava de ir, mas nunca entendia como a minha mãe conhecia todas aquelas entradas, como ela não se perdia? Saia por um lado, entrava por outro e tudo dava no mesmo buraco. Incrível. 

Lembro de quando precisei descer na Carioca pela primeira vez, foi para encontrar um menino. "Estou indo nas Lojas Americanas" anunciei antes de sair de casa. Eu tinha mania de andar a pé para cima e para baixo e era época de natal. Mas a Americanas ficava, tipo, 2 km da minha casa e a estação carioca, sei lá, muito mais que isso. A ida foi "estou numa aventuraaaa" e a volta "que ideia de merda, mds, vou ficar de castigo".

Mas a melhor história não é nem essa. A melhor de todas foi quando eu comecei a escrever fanfic e uma estudante da PUC me convidou pra uma iniciação científica lá. Foi o auge da minha ida ao metrô. Conversei com a moça pelo chat do site das fanfics e marcamos de nos encontrar pra conversar sobre a faculdade de letras. Na época eu ainda era colegial, mas já sabia que queria fazer esse curso. Ela me convidou para o lançamento de um livro no Flamengo. Falei com a minha mãe e ela deu uma ligeira surtada, dizendo que ia me levar, que podia ser um homem mal intencionado. Pois quando eu desci pela primeira vez na estação do Flamengo, lá estava a menina, também acompanhada da mãe. 

Em algum momento, zerei as estações de metrô sem perceber, mas me lembro de algumas das histórias. Bom demais.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Quem sou eu longe de você?

O velho ditado "diga-me com quem andas que te direi quem és". 

Será que é verdade isso? Eu negava essa frase com tanta força que quase doía. Hoje eu duvido um pouco da total incoerência dela. Será que a nossa imagem não é, pelo menos um pouquinho, construída a partir das relações que desenvolvemos?

Aí eu me pergunto: hoje, com o que eu me pareço? 

sábado, 5 de julho de 2025

É tudo uma forma de linguagem, é tudo uma questão de linguagem

 Nós lemos o mundo e damos sentido às coisas a partir das nossas afinidades. Cortázar relacionava a própria escrita ao jazz porque admirava a forma e os efeitos que esse ritmo musical em particular surtiam sobre ele e suas produções escritas. Eu leio Cortázar como uma colcha de fuxico porque a costura é uma forma de linguagem válida pra mim.

Meu amigo André vê o mundo a partir da gameficação e jogabilidade dos processos. Recentemente esteve na moda as "5 linguagens do amor" e como isso fez sentido para as pessoas. A moda, as roupas, a reciclagem, os brechós, o minimalismo, o vegetarianismo e o veganismo também são formas de expressão de discursos.

A cultura, seja ela qual for, é uma forma de linguagem. E através dessa linguagem nos relacionamos com o outro.

ZEREI O SÁBADO.

terça-feira, 1 de julho de 2025

CLT com plano de saúde sem assistência psicológica

Trabalhar pra pagar um psicólogo e ter com quem conversar francamente por uma hora durante a semana. Horário marcado, tudo bonitinho, sem julgamentos. Ah, as delícias da vida adulta.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Castelos de papel

Numa entrevista de emprego, certa vez, chamei a atenção dos avaliadores porque quando me fizeram aquela pergunta original "Se você fosse um objeto, qual você seria?", respondi que seria um caderno. Nesse dia não pensei em como receberiam a minha loucura: eu só falei sem parar sobre como os cadernos sempre representaram um universo infinito de possibilidades pra mim. 

A memória veio como um flash. Eu me perguntei "Se houvesse o botão de controle parental na minha vida, quantas horas de escrita eu já teria?". Óbvio que tudo isso só veio a minha mente porque eu estou tentando escrever o trabalho do mestrado e também pensei "Se eu voltasse no tempo uns 10 e depois 12 anos, eu certamente estaria sentada no quarto ao lado lendo ou escrevendo"

Os números que não joguei

Há dias em que tudo perde o sentido e tenho muitas perguntas sobre a vida, sobre o destino, sobre o motivo de trabalhar exaustivamente todos os dias em troca de uns tostões. 

Há dias em que tudo perde o sentido e não tenho nenhuma pergunta. São desses dias que tenho mais medo.

terça-feira, 24 de junho de 2025

Duas horas para escrever 300 palavras

 Minha mente é capaz de criar coisas maravilhosas. Às vezes, quando termino de elaborar uma questão, fico orgulhosa do resultado e penso satisfeita "Que bom que fui capaz de fazer isso". O mesmo acontece quando escrevo partes do meu trabalho do mestrado e quando escrevo uma boa poesia ou crônica. A maior parte desses processos dá trabalho, demanda esforço e dificilmente as palavras se unem com facilidade. 

É contraditório gostar do resultado de algo que, de certa forma, doeu? Seria então a minha satisfação pessoal, a partir do texto escrito, uma espécie de masoquismo literário?

hahahah gostei desse texto também 

Palavra da moda, sentimento antigo

Na última semana reagi a uma novidade. Uma amiga, que está há longos anos num relacionamento, se percebeu atraída por outra pessoa. A cabeça dela foi longe, houve espaço para projeção de um futuro, uma ponderação sobre o que seria bom se aquele crush fosse pra frente. 

Soube do ocorrido e esperei que ela tomasse sozinha a decisão que seria justa consigo mesma, com o outro. Apontei minhas considerações: termine o seu relacionamento antes de fazer qualquer coisa. Não é justo que, por mais sem sal que esteja a sua relação, você faça isso com o outro. 

Esse casal já foi feliz um dia, já houve respeito, companheirismo, divisão de sonhos e de uma vida. Esse casal já teve muitas brigas, muitos desentendimentos, palavras duras e frustrações. Eu entendo quando as coisas precisam acabar, só não entendo qualquer justificativa que deem para trair. 

Nesse dia chorei bastante ao refletir sobre essa história. Não entendi a princípio porque eu chorava tanto, mas depois de algumas horas entendi que era o tal do gatilho. Esse mesmo que todo mundo tem dito "vai me dar gatilho". Escutei tanto essa expressão e tantas vezes que em algum momento ela se tornou apenas um bordão. Acho que o perigo é esse, de falar em momentos tão descontraídos sobre uma situação séria. 

O tema da traição, o "vou fazer todo o possível para ele nunca descobrir se for necessário" e o "não sei se cabem moralismos nessa situação" definitivamente ativaram algo no meu emocional. Sinceramente, amiga do cara ou não, continuo achando que ninguém merece passar por isso. 

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Visto por último há alguns segundos

Estamos todos conectados

sem cabo, sem fio, só dados

Estamos todos conectados

arrobas, em live, online 

Estamos todos 


Estamos todos desconectados

sem tempo, sem feeling, só fatos

Estamos todos desconectados

exaustos, doentes, solitários

Estamos todos


check duplo e azul

quinta-feira, 8 de maio de 2025

O feminino

 Estive esta semana imersa em cuidados pessoais. Unha, sobrancelha, cabelo, tudo que eu tinha direito, afinal, é impossível assistir duas temporadas seguidas de Queer Eye e não pensar "sou uma diva". Nesses ambientes há sempre muita conversa, muita mesmo. Ouço com atenção, observo. 

As mulheres dividem muito. Dividem experiências como quem divide um pão, oferecem um pedacinho, te convidam a participar, a entrar na vida íntima de cada uma delas, partilhando histórias, emoções, sentimentos, mesmo sem nunca antes ter te visto na vida.

"Ainda tem pouco pai que quer ficar com a guarda da criança", "Tudo que é meu é da minha mãe também", "Não bebe água na escola, não bebe em casa, daqui a pouco tem uma coisa nos rins", "Ela nunca quis ser mãe, mas descobriu que estava grávida e me contou, arrasada. Ela tinha um combinado com o namorado que também nunca quis ser pai, mas agora está preocupada de ele não aguentar, terminar e ela ficar sozinha com a criança", "A mãe da filha do meu marido me denunciou na polícia, porque ela se queimou na panela de pipoca lá em casa", "Agora só se casa com separação total de bens, entendeu?".

E assim vou ouvindo, aprendendo, ouvindo e aprendendo. 


quarta-feira, 12 de março de 2025

Paola

The last of us, um vinho barato, um prato duralex com queijo picado.

É melhor eu esticar pelo menos a cama, não é? Recolhi do chão as camisinhas usadas. Fiquei olhando para aquele chão de taco tentando encontrar o momento em que me perdi. Sacudi a cabeça. Não faz mal, "lavou tá limpo." 

Eu estava escondida, entrava um vento fresco pela janela que só corre naquele bairro. Levei menos de um minuto para encontrar aconchego e encaixe na conchinha de um desconhecido, ele dormiu, eu quase. 

Querências

Quero dançar valsa no mercado e marcar com o grupo de crochê de nos encontrarmos no metrô para gravar um vídeozinho que está na moda. Quero encontrar minhas crianças de vinte anos pra tomar a edição limitada da coca cola numa praça de alimentação e perguntar a eles sobre como vão "os namoradinhos". Quero viver uma quarta-feira lentamente, ouvindo meu passarinho cantar pro tênis.

Queria que a casinha de pedra fosse minha, queria tanto.

Escrita criativa

 Os celulares, as redes sociais, as séries dos serviços de streaming, até as ideias de artesanato e culinária que vejo no Pinterest. Será que tudo isso está mesmo tirando a minha criatividade? Sentei para escrever o trabalho da faculdade e me dei conta de que apesar de ter o que dizer, simplesmente não sabia por em palavras e encadear em ordem lógica. 

Dei alguns passos para trás, peguei um caderno e fiz como quem escrever uma redação: listei tudo o que podia ser abordado e tentei organizar de forma que a costura fizesse sentido. Sinto uma enorme dificuldade em encaixar as informações e desenvolver criativamente o meu ponto de vista. 

Eu me pergunto onde está aquela pessoa que virava a noite escrevendo páginas e mais páginas de narrativas recheadas de reviravoltas. Por favor, venha me acudir, eu preciso de você. 

Leite de curral

Ganhei um pedaço de queijo no domingo passado e ele estava tão fresco que se despedaçou. Da metade da circunferência que era minha, grande parte desmoronou no saco, na volta pra casa. Ao chegar, tirei o soro e amassei os pedaços com um garfo. Pode virar um cotage, pensei. Uma camada disso com tomate assado... Estalei a língua. Depois de um dia comendo o queijo amassadinho, o pequeno pedaço quadrado que resistiu soltou ainda um pouco de soro e quando me dei conta ele estava liso, um pouco mais firme. Hoje consegui cortar com a faca, que queijo lindo. 
 

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Solo de guitarra

 Quando um artista faz um solo, interrompe-se tudo o que foi programado, suspende-se a cuidadosa combinação de acordes e a melodia. Não há ritmo cadenciado, não há uma lógica pautada pela razão que ordene as notas e ainda assim, reconhece-se o solo como uma extensão da música, do músico. O solo é o momento em que os sentimentos se expressam livremente e o caos é o grande comunicador.  

O primeiro solo de guitarra que me vem a cabeça é o de O tempo não para do Cazuza. E você?

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Rebecca

O universo seria muito filho da puta se você beijasse mal tendo uma boca dessa.

00:00 

Numa cama de solteiro que se fez grande, numa casa, numa Vila, no bairro de Vila. Licor de amora do pé da varanda. Meu deus do céu, que café bom. Vou cair de novo, ta tudo rodando. Mas a dança é tão boa, parece tântrico. Feliz aniversário pra mim. Preciso voltar a frequentar as reuniões, estou chegando no ápice, eu posso sentir, no auge do transtorno, bem ali no abismo entre a noção e a falta dela. 

To cantando pra rosa que você me deu. Ta cômico. "Ahora te enseño de dónde vengo / Y las heridas que me dejó el amor". As pétalas agora estão ressecadas e mudando de cor. Despetalei-a toda, coloquei num pote de vidro, como é que pode? Ainda é muito bonito.

O novelo branco com pintinhas coloridas

 Eu me apaixonei por um novelo de lã no fim do inverno de 2022. Estava passeando com a Mimi na Caçula e logo perto da vitrine estavam expostos todos os novelos da promoção, que restaram da coleção de inverno daquele ano. Mesmo não me lembrando muito bem como tricotar, sabia que conseguiria voltar a fazer se me dedicasse um pouco. Mimi foi em direção aos novelos amarelos e eu fiquei rondando, rondando, até que vi um lindo demais. 



O novelo segue aqui na caixa de promessas de crochê e tricô. Estou ansiosa para fazer algo com ele.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Batata rústica de forno

 Lave bem as batatas e não tire a casca. Faça cortes grosseiros, não é pra fazer palito, queria dizer que é canoa, mas não sei fazer aquele detalhe no meio que realmente faz parecer uma canoa, então não sei.

Numa tigela misture duas colheres rasas de sopa de azeite, use uma colher e não uma colher medidora (pq colheres medidoras são quase xícaras), uma colher de páprica defumada, uma colher de orégano, uma de sal. Misture muito bem e jogue as batatas lá dentro. Sacode bastante pra que as batatas fiquem meladas com esse azeite temperado. 

Passe um pouco de azeite no refratário que você vai usar para assar. Coloque as batatas encostadas no fundo da assadeira e pré-aqueça o forno por alguns minutos. Vai demorar uma eternidade no forno, mas vai ficar muito gostoso, confia.

Frango com gorgonzola

 Tempere os filés com alho, louro, sal, limão e um pouco de vinho branco. Coloque uma boa quantidade de manteiga na frigideira e deixe derreter, acrescente uma colher de sobremesa de açúcar branco e deixe caramelizar. Frite os bifes de frango nessa base. 

Caso os bifes sejam congelados, deixar corar bastante, fazer fundo de panela e jogue pequenas porções de água para ajudar a cozinhar. Caso o frango seja fresco, da feira, essa água não é necessária. Enquanto os bifes douram dos dois lados, pique a cebola em cubos bem pequenos. 

Retire os bifes e coloque um pouquinho mais de manteiga na panela. A cebola precisa de gordura para derreter, chorar, seja lá como você chama. Depois que a cebola murcha e o fundo da panela vira uma espécie de caldo junto com ela, coloque um glub de vinho branco. Quantidade pequena mesmo, poucos ml. Depois acrescente menos de 100g de queijo gorgonzola ralado e uma caixa de creme de leite. O queijo vai derreter, essa coisa toda vai virar um molho. Jogue os frangos na frigideira para misturar tudo e pronto. 

Vai bem com batata rústica e arroz branco. Tenho pra mim que essa receita é um pouco mais saudável e fácil de fazer que estrogonofe, mas é só uma impressão, mais barata ela com certeza não é.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Vinte e quatros de janeiros

 Que no dia 24 de janeiro de 2026 eu não cometa nenhuma maluquice. E, caso cometa, a maluquice tenha relação apenas comigo mesma. Você não está cansada de que tudo seja sempre pelos outros?

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

A reprodutibilidade inútil da moldura

Eu não quero ler o que dizem que a Clarice Lispector disse num post de Instagram bonito do Canva. Eu quero ler o que ela disse, no livro dela, porra. 


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Curta metragem

Imagine uma pessoa acordando pela manhã, você vê apenas o contorno, ainda não está tão claro a ponto de identificar as formas reais dessa pessoa. Então essa pessoa toma banho, escova os dentes e toma café da manhã. Você sempre vê o vulto mudando a medida que ela vai fazendo as coisas. Mudando no sentido de estar arrumado, estar mais ereto, menos sonolento. 

Essa pessoa encontra no corredor uma vizinha que está indo para a escola. Essa vizinha não vê a mesma coisa que a gente, ela vê essa pessoa a uma distância ENORME e o vê como um tiozão, mesmo estando ao lado dele. 

No trânsito sua cabeça vira um carro, no sinal, pela perspectiva do menino que faz malabares, vira um prato de comida. Quando chega no trabalho, sua cabeça fica achatada, seu chefe o vê da mesma corzinha e formato do piso debaixo dos pés. Mas tudo bem, hoje ele tem um encontro. Abre o celular e no lugar do rosto da moça, ele vê um belo filé. 

Ao sair do trabalho, durante o encontro, sua cabeça se transforma num belo maço de dinheiro, ele foi de blusa social, afinal, a moça-filé está hipnotizada e da sua boca caem armadilhas, folhas e mais folhas de calendário -  sempre com a mesma data: 01/04. E quando nosso protagonista percebeu, o drink esquentou, amanhã ainda é dia de trabalho, hora de voltar pra casa. Sozinho. 

O celular toca. Mamãe! Sua cabeça virou a de um recém nascido. Conversou um pouquinho com a amável senhora-cabeça-de-fogão. Vou lá, mãe, cheguei em casa. Na porta do prédio um gatinho abandonado olha pra ele e pisca duas vezes. Vai chover. Um dia só não faz mal, não é?

O gatinho entra na casa ressabiado. O homem vai tomar banho e pensa no visitante mais uma vez, se olha no espelho e vê sua imagem, nítida. Que bom, perto da hora de dormir não estamos sendo observados. 

A virada

A cada vez que me lembro que farei 30 anos esse ano fico em suspenso. É como se tudo ao meu redor ficasse mudo e o mundo, enorme e barulhento, simplesmente desaparece. 

Quero uma concha, um casulo, um ovo, um canto. Ninguém se importa, eu não me importo. Preciso dormir na eternidade desse silêncio para acordar algum dia ou só viver nos meus sonhos. Tudo é falso e ruirá, tudo é. Apenas o caos e o acaso. 

Ainda não bati a meta da quantidade de água de hoje. Meus pensamentos devem estar confusos por desidratação ou é só a TPM. E assim sigo, fingindo que nada está realmente acontecendo por dentro quando o mundo fica suspenso.