quinta-feira, 4 de abril de 2024

Casimiro de Abreu

 Amor e medo 

 II  Ai! se eu te visse no calor da sesta,  A mão tremente no calor das tuas,  Amarrotado o teu vestido branco,  Soltos cabelos nas espáduas nuas!...  Ai! se eu te visse, Madalena pura,  Sobre o veludo reclinada a meio,  Olhos cerrados na volúpia doce,  Os braços frouxos, palpitante o seio!...  Ai! se eu te visse em languidez sublime,  Na face as rosas virginais do pejo,  Trêmula a fala a protestar baixinho...  Vermelha a boca, soluçando um beijo!...  Diz: que seria da pureza d’anjo, Das vestes alvas, do cantor das asas?  Tu te queimaras, a pisar descalça,  Criança louca, sobre um chão de brasas!  No fogo vivo eu me abrasara inteiro!  Ébrio e sedento na fugaz vertigem.  Vil, machucara com meu dedo impuro  As pobres flores da grinalda virgem!  Vampiro infame, eu sorveria em beijos  Toda a inocência que teu lábio encerra,  E tu serias no lascivo abraço  Anjo enlodado nos pauis da terra.  Depois... desperta no febril delírio,  Olhos pisados como um vão lamento,  Tu perguntaras: qu’é da minha c’roa?...  Eu te diria: desfolhou - a o vento!...                      ________  Oh! não me chames coração de gelo!  Bem vês: traí-me no fatal segredo.  Se de ti fujo é que te adoro e muito,  És bela eu moço; tens amor, eu medo!... 

ABREU, C. Amor e Medo In: Poesias Completas de Casimiro de Abreu. Rio de Janeiro: Ediouro, 1994.,

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