terça-feira, 12 de março de 2024

Senhor aparecido

 “Era uma vez um homem muito expressivo. Bastava apenas uma olhada para ele e seu rosto logo ficava gravado na memória. (...) o senhor aparecido gostava muito de si mesmo. Ele adorava sua aparência, seus traços tão expressivos e se olhava no espelho com muita satisfação. Não é de estranhar, portanto, que depois de ter comprado um supercelular com uma câmera do modelo mais recente, ele tenha passado a tirar selfies com imenso prazer”.

Assim começa a saga do senhor aparecido, personagem principal do livro da polonesa Olga Tokarczuk, recém-lançado aqui no Brasil. Classificado como infantojuvenil para efeito de mercado, “Um senhor notável”, na verdade, é um livro “para as infâncias” que habitam o ser humano, inclusive a etária. Fábula contemporânea, narrativa distópica, retrato bem-acabado da nossa relação com as mídias digitais. Todas estas definições cabem para esta obra.

Esse senhor aparecido notável é um retrato bastante vívido de cada um de nós, habitantes desse mundo surreal. Em busca de nos tornarmos mais vistos, amados, clicados, nos embrenhamos no exercício quase ininterrupto de postar a nossa imagem em busca de outros cliques. Assim, os retratos passam a nos representar e nos apagamos em busca do que queremos mostrar. Vale tudo para caber nos padrões estabelecidos pela indústria do imaginário, em que a representação tem mais valor do que a concretude física. De tanto buscarmos nos diferenciar para sermos vistos, nos tornamos monotonamente iguais.

 ALVES, J.C. O senhor aparecido e o que ele tem a ver conosco. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/>. Acesso em: 09 dez.2023.

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