“Era uma vez um homem muito expressivo. Bastava apenas uma olhada para ele e seu rosto logo ficava gravado na memória. (...) o senhor aparecido gostava muito de si mesmo. Ele adorava sua aparência, seus traços tão expressivos e se olhava no espelho com muita satisfação. Não é de estranhar, portanto, que depois de ter comprado um supercelular com uma câmera do modelo mais recente, ele tenha passado a tirar selfies com imenso prazer”.
Assim começa
a saga do senhor aparecido, personagem principal do livro da polonesa Olga
Tokarczuk, recém-lançado aqui no Brasil. Classificado como infantojuvenil para
efeito de mercado, “Um senhor notável”, na verdade, é um livro “para as
infâncias” que habitam o ser humano, inclusive a etária. Fábula contemporânea,
narrativa distópica, retrato bem-acabado da nossa relação com as mídias
digitais. Todas estas definições cabem para esta obra.
Esse senhor
aparecido notável é um retrato bastante vívido de cada um de nós, habitantes
desse mundo surreal. Em busca de nos tornarmos mais vistos, amados, clicados,
nos embrenhamos no exercício quase ininterrupto de postar a nossa imagem em
busca de outros cliques. Assim, os retratos passam a nos representar e nos
apagamos em busca do que queremos mostrar. Vale tudo para caber nos padrões estabelecidos
pela indústria do imaginário, em que a representação tem mais valor do que a
concretude física. De tanto buscarmos nos diferenciar para sermos vistos, nos
tornamos monotonamente iguais.
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