quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Palavras ao vento, palavras pequenas, palavras apenas

Descobri que há uma relação entre a quantidade de palavras e a idade. No início, tudo é narrativa, você fala fala fala fala, lê lê lê, para alcançar uma ideia. Depois, vai ficando cismado, lê uma crônica e acha maravilhoso (até que as coisas breves são legais). Vai encurtando na palavra e aumentando no significado. A idade da poesia chega pra você. Pode ser até que você fale menos nessa fase da vida. Então a sabedoria anciã te chega e você consegue falar com os olhos. 

Um dia as pessoas vão falar de você, mas não por. Nesse dia você está pronto para ir embora e se tornar uma só palavra. 


Quero ver dizer que é só "de ligação"

Estou frágil

Sou fragmento.

Estou insegura.

Sou indefinição.

Estou ansiosa

Sou emoção.

Estou confusa

Sou turbilhão.

Estou preocupada

Sou mente.

Estou com saudades 

Sou paixão. 

 Estou arrepiada

Sou tesão.

Estou casulo

Sou borboleta.

Estou fora de mim

Sou dentro de você.


Verônica Lacerda, 2009

https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=69409

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Primeiro de dezembro de 2020

Rezo fortemente antes de dormir, junto as mãos pedindo por favor que permita minha cabeça parar de girar por um momento. No dia seguinte tomo uma decisão, eu a comunico, e ainda meio balançada recebo um e-mail.
Foi assim da outra vez que pensei sobre a mesma coisa. Um e-mail, uma oportunidade. Está certo que dessa vez foi um pouco diferente... Mas quem diria que depois do ano inteiro passando pelo processo seletivo e, já esquecendo que tinha sido aprovada, eles iriam me chamar pra algo em pleno dezembro?
É para entender como um sinal? 
Sendo sinal ou não, devo permanecer grata, 2020 não foi de todo mal. Agradeço de coração aberto por todo tipo de libertação que venho vivendo, pelas oportunidades e aprendizado. Eu esperava tanto desse ano e ele veio "escrevendo certo por linhas tortas". 
Mais trinta dias pela frente, estou pronta. 
 

Beija eu

 Licença Monte,

digo,

Marisa Poética,

digo,



segunda-feira, 30 de novembro de 2020

As duas que me saíram hoje, uma depois da outra porque ele obedeceu e depois chorou

Já disse

Vai lá ler a poesia

Alimenta 

Igual quando vó diz que é 

pra comer o legume  


Poesia é remédio

Seu choro

é efeito colateral

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Mar iana

Há dentro de cada um
Um oceano

Consigo sentir as minhas
marés
subindo e descendo

Consigo ouvir o barulho das minhas
ondas
em tempestades furiosas

Deságuam rios sobre o meu leito
E a água vem, cheia de vida
E a água vem, cheia de vida 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O prontuário diria "lhe acometeu um mal súbito"

 Uma moça começou a tossir no meio da rua. Mas era tanto que as pessoas começavam a reparar. Reparar e parar para olhar até que se formasse aquela pequena aglomeração de uns que queriam ajudar e outros curiosos só de passagem.

- Ela está engasgada! 

- Tussa, menina, tussa. 

- Tem alguma coisa presa no pulmão?

- Deve ser fumante.

Ela fazia que não com dedo indicador. Mas para qual das perguntas? Não dava pra saber. Tossia tanto que perdeu a firmeza nas pernas, o joelho bambeou. Tentou apalpar parede para se equilibrar, os solavancos eram muito fortes. O corpo queria muitíssimo expulsar o que quer que fosse.

- Parece até que não quer colocar pra fora. 

- Mas é tão bonita, que será que ela tem?

Teve quem quisesse chamar a SAMU, mas foram perdendo o interesse, a paciência, o tempo. Foram andando, se dissipando, voltando aos seus caminhos. Daqui a pouco ela melhora, se não melhorar, cai e morre. Se morrer, foi câncer, tanto jovem morrendo nos dias de hoje. De repente ela fez que ia pegar coisa na bolsa.

- É remédio que a senhorita tem aqui dentro? - Perguntou um estudante que se aproximou, vasculhando a bolsa pra ajudar.

Jogou tudo no chão: uma carteira, um espelho, chaves, balas de iogurte, canetas, um bloquinho de anotações. Olhou para o rosto desesperado da mocinha, uma mão na garganta, os olhos já marejados. Entendeu tudo.

- Você precisa. - Entregou o papel e a caneta a ela que aos poucos foi sarando, sarando, até que respirou aliviada e sorriu.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Bilhete ao meu velho

 Querido pai,

Se não fossem as vertigens e o medo que tenho de agulhas e sangue, eu teria sido uma boa pediatra. Mas eu lido com crianças, faço pequenas operações, atendo, escuto, medico com carinho. Meu remédio preferido é o dever de casa, dou pirulitos quando se portam bem. Espero não ter decepcionado você, estou dando meu melhor. 

Com amor,

Mariana.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Dona Marlene

A dona Marlene sempre foi uma senhora muito elegante. Apesar de hoje eu saber o que é riqueza de verdade, quando era criança, minha referência de boa vida era a dela. Ia e voltava de táxi para o shopping quando não havia nem sombra da existência de Uber, andava sempre com notas de 50 na carteira para pagar, por exemplo, bibelôs de lojas chinesas. Amava joias, como amava, contava sempre de todo ouro que possuiu no primeiro casamento, a casa do Estácio que era mobiliada com móveis de madeira de verdade, "não essa porcaria que vendem hoje". Restou dessa casa uma penteadeira e as louças que era muito bem quistas, mas nunca saíam do armário, nem mesmo nos jantares de ano novo judeu em setembro. Ela era tão chique que escolheu o próprio nome, porque o de batismo, escolhido pela família cearense, em homenagem a uma santa católica, não condizia com sua condição de convertida. No novo batismo se chamava Sara, mulher importante da torá. Na Tijuca, Marlene, que ficava ainda mais imponente quando se colocava "dona" na frente.

Dona Marlene nunca fazia comida, mas sabia cozinhar muito bem e vivia falando de como as suas receitas eram mais saborosas que as da rua. Aliás, para ela a comida tinha que ser mais bonita que saborosa, porque se alimentava de coisas belas, via coisas belas, vestia coisas belas. A vida era bela pra ela. Gostava de passear com seu grupo imenso de amigas, iam jogar cartas, bingos, cassinos, fechavam uma vã só delas para ficar o dia todinho por Teresópolis ou Petrópolis para fazer compras. Jantares. Ah, os jantares que ela ia. Para os jantares tinha que tirar as boinas - que cobriam sua cabeça religiosa - e vestir perucas. Perucas e vestidos, vestidos e sapatos, sapatos que combinavam perfeitamente com as bolsas e carteiras. Carteiras que não viam uma moeda ou nota de 2 reais sequer porque tudo ia para o cofre de caridade da sinagoga. Esqueci de mencionar que nesses jantares havia música típicas e todos se levantavam para dançar as coreografias e é claro que ela havia tomado aulas previamente e sabia perfeitamente os passos. 

Não importa qual, toda sexta-feira às 17h queimavam velas na bandeja de vidro, nos castiçais de prata, diante da reza em hebraico. Em sua casa, as velas tinham que estar acesas e ela rezava. E sábado não podia fazer negócio, não podia fazer esforço, nem mesmo carregar as chaves de casa na mão, iam penduradas na alça da calça, porque Ashém descansou no sétimo dia e em shabat judeu nenhum trabalha. A parte dos costumes, haviam coisas que eram somente dela, como a coleção de elefantes, o amor por armários embutidos e a cantoria em diversos idiomas estrangeiros, mas o que ela mais gostava era o francês (que estudou em colégio para moças). Ela teve dois filhos homens, dois netos homens, então caiu sobre mim o desejo de paparicar uma menininha. Lacinhos, blusinhas, vestidos, pulseiras, brincos, diários, Dona Marlene sempre me dava agrados. Me levava para passear, pagou para que eu estudasse hebraico com ela, dentro das portas do templo religioso, com professora judia, com alunas que também usavam perucas e tinham o cabelo raspado. 

Ela viveu o desgosto da morte do filho mais velho e não chegou a fazer sua sonhada viagem a Israel. É hoje uma vítima do Alzheimer, não se lembra dos costumes, do judaísmo, e mesmo que esteja dentro da casa que mobiliou a seu gosto, acredita estar de passagem num lugar desconhecido. Quer ver a mãe e a avó que morreram há tantos anos. Dona Marlene hoje não é nem uma lembrança de si mesma, ficou perdida no tempo, em histórias como essa que eu contei, vive na mente de quem se lembra dela. 


domingo, 30 de agosto de 2020

É menina!

 É menina 


É menina, que coisa mais fofa, parece com o pai, parece com a mãe, parece um joelho, upa, upa, não chora, isso é choro de fome, isso é choro de sono, isso é choro de chata, choro de menina, igualzinha à mãe, achou, sumiu, achou, não faz pirraça, coitada, tem que deixar chorar, vocês fazem tudo o que ela quer, isso vai crescer mimada, eu queria essa vida pra mim, dormir e mamar, aproveita enquanto ela ainda não engatinha, isso daí quando começa a andar é um inferno, daqui a pouco começa a falar, daí não para mais, ela precisa é de um irmão, foi só falar, olha só quem vai ganhar um irmãozinho, tomara que seja menino pra formar um casal, ela tá até mais quieta depois que ele nasceu, parece que ela cuida dele, esses dois vão ser inseparáveis, ela deve morrer de ciúmes, ele já nasceu falante, menino é outra coisa, desde que ele nasceu parece que ela cresceu, já tá uma menina, quando é que vai pra creche, ela não larga dessa boneca por nada, já podia ser mãe, já sabe escrever o nomezinho, quantos dedos têm aqui, qual é a sua princesa da Disney preferida, quem você prefere, o papai ou a mamãe, quem é o seu namoradinho, quem é o seu príncipe da Disney preferido, já se maquia dessa idade, é apaixonada pelo pai, cadê o Ken, daqui a pouco vira mocinha, eu te peguei no colo, só falta ficar mais alta que eu, finalmente largou a boneca, já tava na hora, agora deve tá pensando besteira, soube que virou mocinha, ganhou corpo, tenho uma dieta boa pra você, a dieta do ovo, a dieta do tipo sanguíneo, a dieta da água gelada, essa barriga só resolve com cinta, que corpão, essa menina é um perigo, vai ter que voltar antes de meia-noite, o seu irmão é diferente, menino é outra coisa, vai pela sombra, não sorri pro porteiro, não sorri pro pedreiro, quem é esse menino, se o seu pai descobrir, ele te mata, esse menino é filho de quem, cuidado que homem não presta, não pode dar confiança, não vai pra casa dele, homem gosta é de mulher difícil, tem que se dar valor, homem é tudo igual, segura esse homem, não fuxica, não mexe nas coisas dele, tem coisa que é melhor a gente não saber, não pergunta demais que ele te abandona, o que os olhos não veem o coração não sente, quando é que vão casar, ele tá te enrolando, morar junto é casar, quando é que vão ter filho, ele tá te enrolando, barriga pontuda deve ser menina, é menina. 


(Gregório Duvivier. Folha de S. Paulo, 16 set. 2015.)

sábado, 8 de agosto de 2020

Dona Mariana e seus ...

 Fico repetindo para mim mesma o fato curioso de que Vinícius de Moraes se casou nove vezes até hoje, porque desde que ela me disse essa frase eu estive impactada. Seria uma vida inteira o suficiente para bem amar todas essas nove pessoas? Aos 25 anos já tenho uma lista que conta por si mesma de verdadeiros amores do passado. Não que fossem todos meus maridos, longe disso, alguns deles nem eram homens, outros nem tiveram nenhum tipo de relação carnal comigo.
Pode ser que eu nunca perca o impacto desse fato, mas Vinícius, será que é pelo que aconteceu com você ou porque eu estava diante de uma revelação de mim mesma? 


 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

O casal como unidade bipartida

Você precisa viver coisas a parte de mim.
Eu preciso viver coisas a parte de você.
Para que juntos possamos continuar sendo
você
eu
E descobrirmos comunhão em
você e eu.

Para as grávidas

Eu sou um forno
E estou assando um biscoitinho
Será que é um biscoito salgado
Ou um biscoito docinho?

Escrevi esse poema há dois anos e penso nele como algo muito delicado, fofo. A melhor parte é que a classificação dos sexos é tão subjetiva que fica para leitor (ou ouvinte) definir o que representa o salgado e o doce, ou simplesmente não definir nada.
Imagino que o sentimento das mães seja algo próximo a isso. Há uma dualidade, mas você não sabe e nem se importa com o que é, porque tudo é bom.

terça-feira, 7 de julho de 2020

Palavra preferida

Nós temos música, cor, roupa, batom, sapato, estação do ano, banda, sorvete... Tudo preferido. Nós nem sempre sabemos dar a resposta com muita precisão, mas que tem, tem. Minha aluna Lívia descobriu no espanhol a sua palavra preferida e eu, babona que sou, não pude ficar menos que orgulhosa.
Depois de trinta ou quarenta minutos de aula, ela teve vergonha de me explicar o que estava acontecendo, porque falava e o riso a interrompia. Quando percebi, me armei com uma história de filme - porque as pessoas se sentem mais confortáveis quando comparamos algo que elas fizeram com filmes - que eu adoro.
Em "Comer, rezar e amar" a personagem da Julia Roberts se apaixona pela palavra "Attravessiamo" que seria o verbo italiano para "atravessamos", "cruzamos" a rua. Ela repete a palavra algumas vezes, assume ser sua palavra favorita e isso trás ao filme um ar poético.
Contada esta história, Lívia disse "buenísimo" aliviada, aproveitando cada sílaba de sua palavra favorita.


Rascunho de uma poesia que pode ser muito boa se vier morar

nesse vasto mundão de meu Deus.

Epifânica

Eu, que me encontro em constante estado de contemplação quando de repente me dou conta de que entendi algo que nunca havia entendido. "Agora tudo faz sentido" é uma frase que se aplica sempre, mesmo que a descoberta tenha sido só pra mim, porque muitos antes já sabiam. Mesmo que se trate de como as engrenagens do relógio funcionam sem parar. Mesmo que seja uma breve explicação de como o calor nossos dedos faz o touch funcionar. Mas mais ainda quando se trata de algo do vasto universo das palavras.

Interpretação de texto

Agora que parei para pensar por mais de um segundo sobre essa expressão, sem deixar que ela passasse batida - mais uma vez - por meu pensamento, tentei olhá-la de outro ângulo:
Podemos, mais que "saber explicar" o que o texto quis dizer, interpretá-lo dramaticamente? Será que "interpretação de texto" veio da ideia de compreendê-lo e atuar meu ponto de vista, com minhas palavras, com meu improviso linguístico?

Interpretar seria então assumir o papel do texto, em postura humilde, e usar a minha voz para dar luz ao seu significado.

Na faculdade, li uma vez que só estamos certos de que entendemos algo lido quando conseguimos colocá-lo em nossas próprias palavras. Que lindo, não? A metalinguística da metalinguística.


segunda-feira, 29 de junho de 2020

Teresa

Minha máquina de costura chegou em 5 de junho de 2020 pelas mãos do Elcio e da família dele. Disseram-me que acharam a máquina no lixo, e a irmã dele que fez curso de corte e costura, quis pegar pra ela.

Acabo de descobrir através de um blog da Singer seu ano de fabricação: 1924. Ou seja, este ano ela faz 96. Este site tem várias listas que permitem verificar a correspondência do número de série com a data de fabricação. 

Dentro dela havia um caderno revestido de papel pardo kraft e umas réguas também de papel. Nas réguas está escrito "Elvira Carvalho Ventura" que imagino ser parente direta da dona do caderno por conta do sobrenome. Era Elvira mãe, avó, tia de Terezinha? Pensar nessa história, visualizar estas mulheres... Parece até filme.  

O caderno tem uma etiqueta branca de bordas vermelhas, parecida com as que se usava na escola ao encapar cadernos e livros, com o título "Costura" e abaixo o nome Terezinha Ventura. 
Logo na primeira página há um cabeçalho: "Juiz de fora, 6 de março de 1952."
O caderno é pautado, daqueles de tamanho pequeno, com poucas folhas, ainda não contei quantas. Folha por folha estão escritas receitas em caligrafia impecável de modelagem de roupas: saias, camisas, vestidos. Há colado na página esquerda um pequeno molde com detalhes de medidas e na página esquerda, a explicação detalhada de como fazer. Não resisti e fui olhar as últimas páginas para saber se Terezinha deixou alguma pista, algum endereço ou mais nomes nas folhas, algo mais que costura e, de fato, ela não usou todas as folhas só para a costura, mas deixou duas em branco.
Na última página, aquela que precede a contracapa do caderno, ela fez uma lista de músicas soprano e escreveu duas frases entre aspas à caneta. 

Música soprano

Cisne - Alberto Costa
Canção da felicidade - Barroso Neto
Guarany "Gentile di cuore" - Carlos Gomes
Improviso - Mignone
Canção da boneca - Offenbach (do film. Os contos de Hoffmann)
Colombetta - Peccia

"Agora só me resta: ter fé em Deus e aguardar por melhores dias no futuro."
"Uma alma que se eleva, eleva consigo o mundo."

A cada vez que o abro, fragmentos do papel ficam na minha mão, dissolvidos. A lombada da capa de papel pardo já se desfez completamente revelando a estampa pintada na capa original do caderno, em texturas de tons verde.
Espero a quarentena passar para levá-lo a um centro de restauração. 
Restaurar a máquina, restaurar o papel, quem sabe restaurar a história?

Eu, sol

Todas as pessoas são como pequenos sóis.
Algumas já nascem em céus limpos, 
Outras precisam aprender a arte
De esperar as nuvens passarem. 
Mas é certo que todos brilhamos
Para um planeta inteiro...
Às vezes só para uma pessoa.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Pedido

Um pouquinho todos os dias. Lembre-se do que já foi feito, continue fazendo. É muito mais fácil largar tudo e desistir. Por favor, encontre força para estudar e seguir o caminho.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Querência

Lutar contra esse desânimo. Abrir a boca pra falar algo que seja bom, positivo, que faça com que eu me sinta normal de novo. Cadê a normalidade? O que eu tenho que fazer para que tudo fique normal de novo? Será que é algo que eu possa fazer ou só esperar? O que está acontecendo? Eu quero ter um norte. Quero uma motivação.
Não fazer nada. Olhar para o teto e ficar só olhando.
Não quero falar, não quero parecer, não quero forçar, não quero incomodar, não quero fazer, não quero estudar.
Não quero nada. Mas queria muito querer.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Leitura pornográfica

Eu gostaria que seus olhos, curiosos, altivos, atentos
me lessem.
Que a ponta dos seus dedos, cuidadosos, lentos, calejados
me lessem.
Faz de mim um livro aberto.

Sinônimos?

Eu adoro o drama de cortar em versos e amo o impacto de uma frase bem longa dita de uma vez só. Me encanta o fato de pouco escrever e muito falar. Admiro as sucessivas reescrituras que o texto sofre para ficar cada vez melhor. Aprecio o som das palavras ditas em voz alta brandida ou sussurrada. Venero as viagens da significação. Reverencio, estimo e honro o estudo e a dedicação para as Letras. 
Gosto? Gostar não, eu não gosto. Porque quem "gosta" tem medo de sentir.

Vi-ra, vi-ra, vi-ra

Se não podemos agora,
cultivamos a esperança para o futuro.
Se é um problema,
dizemos que se fosse fácil não seria bom.
Se é uma queda,
nos vangloriamos por levantar. 
Nós estamos sempre nos enganando:
inventando desculpas,
romantizando problemas,
"ressignificando".

Se a mentira fosse uma gota no copo que é o mundo, eu gostaria de decidir se bebo mais um pouco ou se feliz morro de sede.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Aonde você está, pai?

Queria sentar um dia com você para tomar Guaravita no bar e conversar. De repente pediríamos uma batatinha que esfriaria porque a conversa seria muito boa e cheia de histórias. Sinto que seria bom conhecer você desde uma perspectiva adulta porque criança eu te vi como um homem muito grande, que sabia de muitas coisas de matemática, exagerado na hora de fazer compras e que colecionava chaveiros.
Pai, eu queria poder reclamar dos homens com você ainda que seja mais um deles. Falar que todos são mulherengos e iguais, pedir conselhos para saber como lidar com essa falta que eu sinto de um cuidado masculino. Carente, careta, cheia de problemas com figura paterna, olha o que eu me tornei.
Estou longe de te culpar, não é isso, só queria ter vivido mais com você.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Nova TAG

Andei pensando muito sobre as coisas que fazem eu ser quem sou e percebi que são bem poucas, mas muito importantes. São elas: o meu amor pela minha faculdade e tudo que a envolve (literatura, espanhol, livros, mangás e poesia), cultura (aqui entra música e dança), História, meu respeito e consideração pela diversidade, artesanato e Catarina.
Enquanto tomava um daqueles banhos de lavar a alma, sem luz artificial ligada sobre a minha cabeça, esfregando a bucha vegetal, tirei conclusões:
- Não gosto de luzes brancas artificiais em momentos em que ainda há sol (exceto as de natal que eu amo). A meia luz é sempre a opção mais confortável pra mim.
- Passar a bucha me acalma.
- Textos escritos para serem lidos são menos íntimos, afetados pelos olhos virtuais que virão no futuro. Falo por mim que quando sento para escrever minhas histórias fico atordoada pensando no que os leitores vão entender da frase x ou y.
- Eu gosto do silêncio.
- Também gosto de me lembrar das coisas que aconteceram comigo e transformá-las em histórias.

Foi por perceber que gostava muito desse último que resolvi criar uma nova TAG, para registrar essas lembranças.
"Fragmentos de memória"

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Ide

Eu gostaria de arrancar de mim todos os sentimentos e colar nela. Toma, fica com tudo isso pra você e sai da minha frente. Conviva com as dores e desamores, não me importo em te dar as boas memórias porque elas não aprendem a sobressair pacificamente.
Leve tudo embora com você, me deixe ser outra pessoa, eu prometo não tentar de novo e viver apenas com os outros prazeres. Carregue. Você poderia ser um pseudônimo daqueles que a gente acredita se separar do criador. Você poderia se chamar Rebeca, ser branca, ingênua e burra. Você poderia ser, Rebeca, anda, cria coragem e sai de mim.

Gramática Normativa

"Noção do tempo" deveria ser um paradoxo.
"Sentir" verbo de ligação.
"Coronavírus" um substantivo abstrato, preferencialmente do grupo de palavras que ensinamos às crianças que não existe no mundo real.

Com o pé pra fora

Não há uma nuvem no céu, o sol que entra pela janela aquece um pouco a pele, mas troquei meu pijama e cobri as pernas porque sinto frio. Não diria que "frio" é a melhor palavra, mas desconforto. Dormir com duas cobertas até o pescoço, estar enrolada, um peso sobre o corpo. Meus pés e mãos estão sempre frios, mas eu suo. Ontem, jogando lol no quarto do Gabriel, a janela estava aberta, eu usava roupas leves, sem mangas, de algodão.
Senti frio e suava. O que é um corpo que não decide se sua ou treme?

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Não é por falta de ideias, mas de verbalizar

Mente cheia, papel vazio. Papel vazio, mente cheia.

Quarentena

O mundo se acabando pelo coronavírus e eu preocupada com... Eu estou sempre preocupada com isso. Gostaria de saber se um dia vou sair desse ciclo ou se estou presa a isso. Acho que quando eu era mais nova, virava o ano e eu pedia "um ano mais tranquilo" estava me referindo a essas dúvidas no coração.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Papo

Conversar com a Tai é sempre muito divertido. A gente fica tanto tempo sem se ver que acumula uma quantidade absurda de assuntos para se falar que ainda assim, mesmo sem respirar, não conseguimos contar tudo. E a melhor parte não é sempre ter essa sensação de amizade gostosa eterna, é que saem umas coisas cômicas no meio das conversas, como:

Tai: - Mas a gente tem que marcar de você ir lá em casa no final de semana. Nos encontramos no metrô depois do meu trabalho sábado e então você dorme lá até domingo.
Tamires cunhada: - É, a gente pede uma pizza.
Eu: - Podemos tentar fazer a pizza! Eu estou numa vibe de querer aprender a cozinhar as coisas agora.
Tai: - Sim! Tem a receita da minha mãe lá em casa.
Eu: - Tem que ter cuidado só com o horário porque a pizza precisa descansar. Não tem uma história dessas?
Tamires cunhada: - Acho que sou uma massa de pizza. Preciso descansar... (e se encosta no ombro da Tai)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Pérolas, porcos e patetas por Bia Abramo

“Graças a Deus, nunca fui de ler livro.” A frase, definitiva, é de uma das ilustres celebridades criadas no laboratório do "BBB", um tal de Fernando. É má política ficar indignado com aquilo que já sabemos não ser digno de atenção, mas, ainda assim, por vezes a estupidez dá tais sustos na gente que é difícil ficar impassível.

Neste caso, o mais intrigante não é, evidentemente, o fato de o moço não ser de “ler livros”. A cultura escrita não goza lá de muito prestígio entre nós, brasileiros, falando de maneira bem genérica. Se consideramos o microcosmo do “BBB” — gente jovem, considerada bonita, com pendores exibicionistas, ambição de se tornar celebridade e propensa a ganhar dinheiro fácil —, o índice deve tender a quase zero.

O mais revelador é o alívio com que ele se expressa, como a dizer: “Graças a Deus não fui amaldiçoado com essa estranhíssima vontade, esse gosto bizarro, esse defeito de caráter”. Qual é, exatamente, a ameaça que se pensa haver nos livros, ficamos sem saber, mas o temor de pertencer ao esquisito grupo daqueles que “são de ler livro” fala por si só. Por outro lado, é nesses momentos de espontaneidade real que o “BBB” tem algum interesse. Embora aqueles que chegaram ao programa não sejam, a rigor, representativos de nada, nessas brechas escapa o que vai na cabeça dessas moças e rapazes, de certa forma parecidos com os que estão do lado de fora. O desprestígio do conhecimento letrado é marca funda da sociedade brasileira — e, quando é formulado com tanta veemência e clareza, é preciso prestar atenção.

Enquanto isso, na universidade de Aguinaldo Silva, o pau come. Na novela “Duas Caras”, a instituição de ensino é palco de uma luta renhida entre aqueles que “querem estudar” — para vencer na vida, não mais do que isso; estudar aqui tem um valor de troca muito claro — e o bando de baderneiros e oportunistas, identificados como “de esquerda”, que querem tumultuar o projeto “eficiente” do reitor, um ex-militante convertido ao ensino privado.

Todos estudam lá — as mulatas sestrosas da favela, as patricinhas do condomínio, a mulher adulta que volta à sala de aula. Só não se sabe, ao certo, o que se estuda — embora haja gente empunhando livros e cadernos, não há uma indicação sequer (nem nos diálogos, nem nas trajetórias dos personagens) de que, em uma universidade, ao contrário dos shoppings do ensino, deva se produzir conhecimento e que o conhecimento de verdade é transformador. Justamente o que deve temer o “brother” Fernando.

Folha de São Paulo, 3/2/2008