terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Mais uma leitura para o futuro

 Rubem Braga, cujo ofício era driblar os grandes acontecimentos, mirou seu radar noutra bola, infinitamente menor e mais próxima: uma semente trazida pelo acaso ao seu jardim. O enredo, por assim dizer, é ínfimo. Surge um broto. Quase morre. Um amigo diz ser capim, outro afirma ser cana. Descobre-se, depois, ser mesmo um pé de milho, que cresce e é transplantado para o canteiro diante da casa. Fim.

Ao narrar este acontecimento minúsculo, porém, Braga vai criando uma insuspeita identificação entre si e a planta. Num mundo complexo e assustador, em que parecemos evaporar diante de acontecimentos astronômicos, o narrador agarra-se ao pé de milho como este finca as raízes na terra. Deixa de ser, ele também, “um número numa lavoura”. Do banal pro profundo. Do barro à vida. Metonímia “no úrtimo”. Isto é uma crônica.

PRATA, A. Rubem Braga e ‘Breaking bad’. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 30 ago. 2022. [Fragmento adaptado]

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