Meu avô,
Obrigada por tanto. O senhor partiu num dia de sol quente, sem nuvens. Quente, forte, intenso, como o seu amor por Deus e pela sua família. Não poderia ser diferente. Queria conseguir escrever o céu de domingo com as palavras, trazê-lo para o texto para fazer dele um instrumento capaz de despertar o amor íntegro, sincero e digno como era o que você sentia por nós.
Você era reto, vô. Reto nas palavras, nos seus objetivos, no que você pregava e acreditava. Não tinha meias palavras, não tinha dúvida, não tinha contorno. Você ia me buscar na escola para ir pra sua casa nos finais de semana, nós íamos conversando pelo caminho, eu já não me lembro mais sobre o que, mas o senhor falava pra dedéu. Sempre parávamos num sacolão pra comprar uma imensa variedade de frutas pra levar pra vovó, mesmo que pra você só importasse mesmo a banana e o caqui (quando era época).
Você me levou pro hospital quando achavam que eu tinha hanseníase. E ficou lá comigo indo por dias e dias, até que descobriram que era só uma espécie de "pano" na minha pele. Eu lembro quando você ganhou um celular, aprendeu a usar e avisou pra minha avó que estava na frente da "casa de baal" comigo, mas que eu não tinha nada.
Eu também me lembro que você acordava muito cedo, saía pra trabalhar e voltava pra almoçar em casa, dormir um pouquinho depois do almoço. Meu primo e eu tínhamos que fazer completo silêncio e brincar quietinhos pra você poder descansar. E nós entendíamos isso, mesmo sendo apenas duas crianças. Sabíamos que tínhamos que respeitar o sono do vovô e que vovó prepararia aletria ou mingau pra você comer no lanche da tarde.
Você tinha uma coleção inteira de doces em cima do armário, lá em cima. Eu tenho uma coleção inteira de lembranças que não cabem, graças a Deus, só nesse texto. O senhor foi enterrado ontem e entre domingo e hoje, terça-feira, eu já revivi uma vida inteira e envelheci anos com essa experiência. Seu enterro foi muito bonito, se é que isso pode ser dito de um enterro. Quem falou para e sobre você o conhecia e foi isso que mais me impactou, sabe? Falaram sobre sua postura no trabalho, na vida e a Viviane, sua cuidadora, falou sobre você já durante o período do Alzheimer, quando você já falava pouco, mas mesmo assim, chamou pelo meu tio Lúcio. Isso me comoveu muito. Você sabia quem ele era? Teve um momentinho de lucidez e quis chamar pelo seu filho?
Ah, vô. Que bom que você não sente mais a dor da carne, que bom que você não está mais sendo revirado e invadido. Descanse com os anjos e abrace o meu pai assim que puder aí no céu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário